domingo, 6 de setembro de 2009

04/09/09 - 08h00 - Atualizado em 04/09/09 - 08h00

Livro usa bruxaria, Harry Potter e Sharon Stone para explicar economia

'Sob a Lupa do Economista' conta histórias curiosas sob a ótica econômica.
Entre os conceitos debatidos estão preços, inflação e ajuda humanitária.

Fernando SchellerDo G1, em São Paulo

Tamanho da letra

Quanto você está disposto a pagar por um bem depende de sua necessidade em consumi-lo naquele exato momento. Este clássico exemplo da lógica econômica ganha, nas páginas de “Sob a Lupa do Economista” (Campus-Elsevier, 234 páginas, R$ 39,90), um exemplo “moderno”: a coqueluche dos livros do bruxinho “Harry Potter”. 

Aproveitando o frenesi que os fãs experimentam ao comprar a primeira edição e saber o que acontecerá na escola de Hogwarts – com ávidos leitores dispostos a pagar muito para saber os próximos acontecimentos –, a editora da obra primeiro lança o livro em capa dura, depois a edição normal e finalmente a versão em papel jornal. Isso porque quem está disposto a esperar mais para conhecer a trama provavelmente também vai querer pagar menos por um exemplar. 

Fatos econômicos como inflação, ineficiência da ajuda a países subdesenvolvidos e até mesmo a eliminação dos membros menos produtivos da sociedade em tempos de crise são explicados por Carlos Eduardo Gonçalves e Mauro Rodrigues, economistas e professores da Universidade de São Paulo (USP), com a “participação” da atriz Sharon Stone, de praticantes de magia negra na Tanzânia e das bilheterias de cinema. 

A tendência de usar o dia-a-dia e curiosidades para explicar a lógica econômica remonta, naturalmente, ao clássico “Freakonomics”, de Steven Levitt e Stephen Dubner, que ficou famoso por argumentar, entre outras coisas, que a liberação do aborto em certas áreas causou a redução da violência anos depois, quando essas crianças que nunca nasceram atingiram a adolescência. 

Os autores não negam a relação com a obra de Levitt. Mas dizem que tentaram concentrar um número maior de exemplos em uma quantidade menor de páginas com o objetivo de atrair o leitor comum. “São 46 crônicas contadas da forma mais objetiva possível. Cada uma tem de 2 a 8 páginas. O objetivo é limpar a matemática e ir direto ao ponto”, argumenta Gonçalves.

 

Inflação

Na crônica que abre o livro, as bilheterias de cinema mostram que é preciso prestar atenção aos efeitos da inflação. Segundo sites especializados norte-americanos, o filme de maior bilheteria de todos os tempos é “Titanic”, de 1997, que arrecadou US$ 600 milhões na América do Norte durante seu período de exibição. 

Entretanto, quando se leva em conta a evolução do preço dos ingressos e a quantidade de pessoas que assistiu ao filme nos cinemas, “Titanic” passa para a sexta posição. Levando em conta a quantidade de espectadores dos filmes, multiplicada pelos valores dos ingressos do cinema de 2006, o campeão absoluto de bilheteria de todos os tempos continua ser “...E o Vento Levou”, que mantém a liderança há exatos 70 anos.

 

Ainda no tópico inflação, a solução do problema na Bolívia, nos anos 80, passou por um caminho pouco ortodoxo. Para controlar os preços, o governo aumentou os impostos. À primeira vista, dizem os professores, cobrar mais impostos na verdade deixaria os produtos mais caros, uma vez que o tributo será repassado ao custo final da mercadoria. 

Entretanto, não foi o que aconteceu no país. A decisão de aumentar tributos equilibrou as contas do governo, o que eliminou a necessidade de impressão de moeda para financiar o déficit nas contas públicas – o excesso de moeda em circulação, explicam os autores, era o “veneno” que fazia os preços subirem.

 


Ajuda humanitária


Já a atriz Sharon Stone, do clássico “Instinto Selvagem”, serve para mostrar que ações de ajuda a países em desenvolvimento precisam ser acompanhadas para que o dinheiro doado chegue a seu destino. Aos prantos, em 2005, ela conclamou os participantes do Fórum Econômico Mundial a comprar redes para proteger as crianças da Tanzânia do mosquito da malária. 

Nem todos cumpriram a promessa feita diante da estrela de cinema, mas, com a ajuda da Unicef, US$ 1 milhão foi destinado à compra de mosquiteiros. Entretanto, a maior parte das doações acabou indo parar no mercado negro, onde foram vendidos como tecido. Resultado: os mosquiteiros das crianças viraram véu de noiva após serem desviados por comerciantes.

 

Ainda na África, “Sob a Lupa do Economista” analisa a relação entre a economia e a prática da bruxaria no continente. Segundo os autores, aumenta o número de sacrifícios em nome de deuses quando há quebras nas colheitas. “E os velhos e as crianças, que são menos produtivos, são geralmente os escolhidos. É uma forma de diminuir o número de bocas [para alimentar]”, diz Gonçalves.

 

Triunfo do individualismo

Em várias passagens, o livro narra um dos principais motores da economia: a busca pelo interesse próprio. Segundo Rodrigues, todo ato ou decisão é medido pelo ônus ou bônus que traz a uma determinada pessoa. 

Acidentes são uma das principais causas da lentidão do trânsito em São Paulo. Entretanto, ao sair do congestionamento, os motoristas costumam reduzir a velocidade para conferir o que aconteceu – se foi uma batida, um engavetamento ou atropelamento. Essa “olhadinha”, todos sabem, acaba por atrasar mais a vida de todo mundo que está no fim da fila. 

É tudo uma questão de prazer versus punição. Segundo os professores, se uma multa fosse estabelecida para todos que escolhessem “espiar” acidentes, certamente um menor número de pessoas prestaria atenção neles. Com uma penalidade envolvida, somente em casos muito específicos o motorista se arriscaria a pagar a multa pelo “prazer” de ter a curiosidade satisfeita. 

Dentro do mesmo conceito, os autores analisam a individualização da conta de água nos condomínios. O valor individualizado, diz Carlos Eduardo Gonçalves, certamente trará uma economia muito maior de água: “Neste caso, os benefícios de tomar um banho mais curto são diretos. Se a conta é dividida, essa relação não fica tão clara. E o indivíduo talvez prefira tomar um banho mais longo.” 

Nenhum comentário: