quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Super Freakonomics vem aí...

Os freakonomistas atacam outra vez

EXAME teve acesso antecipado à aguardada continuação de Freakonomics, o livro de economia mais popular da história. Mais uma vez, os autores Steven Levitt e Stephen Dubner decifram o cotidiano - de maneira irreverente - sob o olhar econômico

Uma sequência, seja no cinema, seja na literatura, é geralmente resultado de um fenômeno pop. Seu objetivo é entreter fãs seduzidos pela versão que deu origem à série e querem mais do mesmo -- uma regra que vale para sagas tão diferentes quanto Star Wars e Harry Potter. Trata-se de um universo que jamais pareceu estar ao alcance de um livro de economia. No dia 20 de outubro, porém, chega às livrarias dos Estados Unidos uma obra que abala o senso comum: a continuação de Freakonomics, o livro de economia mais popular da história. Assim como o primeiro, traduzido para 35 idiomas e com mais de 4 milhões de exemplares vendidos em todo o planeta, a continuação, batizada SuperFreakonomics, também resulta da parceria entre o economista Steven Levitt, professor da universidade de Chicago, e o jornalista Stephen Dubner, ex-editor do The New York Times. Desde 2005, quando Freakonomics foi lançado, seus autores continuaram o sucesso na internet com um blog de grande popularidade no site do The New York Times e aproveitaram a fama para faturar no circuito de palestras. Os dois enriqueceram e se tornaram celebridades. Agora, vão colocar à prova toda essa popularidade. "Não sentimos muita pressão para escrever o primeiro livro porque achávamos que pouca gente iria ler", afirmam os autores nas primeiras páginas da nova versão. "Aqui estamos nós, quatro anos mais tarde, com um segundo livro, bem melhor que o primeiro. Claro que caberá a você dizer se isso é verdade ou não."

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Levitt e Dubner driblaram o maior risco de qualquer continuação -- cair na mesmice -- e escreveram um livro que prende o leitor do começo ao fim. Evitando jargões e abusando do bom humor, os autores fazem uma investigação profunda de como princípios da economia e da estatística elucidam o comportamento humano. Armados de dados contundentes eles defendem, por exemplo, que embora dirigir embriagado seja um perigo para os outros, para o próprio bêbado o risco de morrer é oito vezes maior se ele voltar a pé para casa -- porque, afinal, o sujeito se torna alvo fácil para um atropelamento. Sobre o aquecimento global, demonstram que o metano produzido pela digestão das vacas do planeta provoca um dano maior que todo o setor de transporte global. Solução proposta pela dupla: trocar o consumo de carne de vaca pela de canguru, já que esse animal emite gases sem impacto no efeito estufa. A miríade de assuntos abordados pelos autores inclui ainda uma discussão sobre por que homens-bomba deveriam contratar seguro de vida e por que médicos não lavam as mãos. Sem perder o tom de entretenimento, os autores declaram que não pretendem apresentar conclusões definitivas. "Muitos dos nossos achados podem ser pouco úteis ou inconclusivos. Tudo bem. Estamos apenas tentando discutir e não dar a última palavra", afirmam.

O assunto, na verdade, não para na investigação do comportamento humano -- e inclui até como macacos reagem de maneira surpreendente a incentivos econômicos. Em um laboratório da Universidade Yale, nos Estados Unidos, Keith Chen viveu uma situação inédita durante a pesquisa em que treina um grupo de sete micos para usar dinheiro. Após alguns meses, suas cobaias efetivamente aprendem que moedas prateadas podem ser trocadas por comida. E eles vão além. Certo dia, Chen percebe que um dos micos pega uma moeda e a oferece a uma fêmea. Generosidade? Nem tanto. Em segundos, os dois miquinhos fazem sexo. Em seguida, a fêmea leva a moeda ao pesquisador para trocá-la por uvas, estabelecendo "talvez o primeiro caso comprovado de prostituição entre macacos da história". E não por bananas, mas por dinheiro.

PROSTITUIÇÃO E ALTRUÍSMO
Ideias politicamente corretas definitivamente não são o forte do livro. Prostituição é um de seus temas favoritos. Personagem do primeiro Freakonomics, o sociólogo da universidade de Chicago Sudhir Venkatesh, que ganhou fama se infiltrando nas gangues locais para entendê-las, reaparece com um estudo sobre prostitutas da cidade. Para tanto, contratou ex-prostitutas para coletar dados e acompanhou por dois anos a vida de 160 mulheres. Nesse período, descreveu e quantificou todo tipo de comportamento envolvido no meio. Entre as descobertas mais interessantes está a de que vale a pena para uma prostituta trabalhar para um cafetão. Eles prestam bons serviços, como recrutar clientes mais ricos, que demandam as modalidades de sexo mais caras. Assim, mesmo trabalhando menos e pagando uma comissão de 25% a seus "agentes", as profissionais do sexo que trabalham com intermediários ganham mais. Também têm menos chance de apanhar de um cliente ou de ir para a prisão. Por fim, uma descoberta dramática: o valor das modalidades de sexo se alterou fortemente ao longo da história. Na Chicago da década de 30, o sexo oral era tabu e custava três ou quatro vezes mais do que o ato sexual convencional. Hoje, o preço relativo do sexo oral despencou para menos da metade do ato sexual - 37 dólares ante 80 dólares - e tornou-se a modalidade mais procurada.

Um capítulo inteiro do livro é dedicado à discussão sobre o altruísmo. Ou melhor, a desacreditá-lo. Para isso os autores recorrem a Gary Becker, ganhador do prêmio Nobel, professor da Universidade de Chicago e decano da aplicação da economia em territórios que eram considerados domínio de sociólogos e antropólogos. Becker considera que existe um elemento estratégico em qualquer manifestação de comportamento altruísta. Um estudo relatado no livro mostra que existe uma relação direta entre a renda de velhinhos e o número de visitas que recebem no asilo. O resultado é que quanto mais rico o indivíduo for, mais ele é visitado pelos parentes. "Talvez os filhos de famílias afluentes simplesmente sejam mais ligados aos pais", questionam. Porém, essa correlação desaparece quando o idoso tem um único filho. Ou seja: a relação positiva entre riqueza e visitas só surge quando o velhinho tem pelo menos dois herdeiros, sugerindo que a competição pelo espólio é que rege o processo.

LEIS DAS CONSEQUÊNCIAS NÃO INTENCIONADAS
Levitt e Dubner também exploram o que economistas chamam de lei das consequências não intencionadas -- as ações humanas podem ser previsíveis mas também apresentar efeitos não antecipados ou planejados. Um exemplo é o das políticas implantadas nos últimos anos para reduzir o lixo, que cobram taxas de acordo com o volume produzido. Em tese, a ideia é boa. Mas na Alemanha, um dos lugares em que foi implantada, as pessoas começaram a jogar tanto resto de comida pelo vaso sanitário que causaram uma infestação de ratos no sistema de esgoto. Na Irlanda, onde um programa semelhante foi adotado, triplicaram os casos de pessoas que se queimavam seriamente ao tentar usar o fogo para se livrar do lixo. A lei das consequências não intencionadas pode ser implacável com políticas públicas, pois governos costumam implantar seus programas alardeando as vantagens e ignorando os efeitos colaterais. Nos Estados Unidos, duas legislações importantes provocaram a reação inversa ao intento. A lei contra a discriminação de deficientes procurou dificultar a demissão dos mesmos -- e acabou por reduzir o número de contratações desse grupo. A lei de proteção às espécies em perigo de extinção levou os fazendeiros a ser "proativos" e destruir habitats que pudessem atrair tais animais. Assim, eles não correriam riscos de restrições do uso da própria terra no futuro.

SuperFreakonomics com frequência faz rir da condição humana e, por isso mesmo, às vezes causa desconforto. No fundo, ao ler o livro é quase impossível não se comparar a seus personagens -- e torcer para que sejamos ao menos um pouquinho melhores. As histórias contadas escrutinam os mais diversos campos humanos e voltam quase sempre com o mesmo resultado: somos mais egoístas do que gostamos de admitir. Nosso comportamento muda quando nossos ganhos ou custos se alteram. Eis aí uma conclusão que a sequência "freakonômica" só veio reforçar.

MÁXIMAS DOS FREAKNOMISTAS:

OS ANIMAIS PODEM APRENDER A USAR DINHEIRO?
Os autores recorrem a um estudo realizado pelo pesquisador Keith Chen, da Universidade Yale, para mostrar que a resposta é sim. O experimento de Chen envolveu um grupo de sete micos, considerados os macacos menos inteligentes.

Após meses a fio de treinamento, eles finalmente entenderam que podiam trocar moedas por comida. Logo começaram a se comportar como pessoas. Nas trocas, os macacos obedeciam ao mais básico pilar da teoria econômica, a lei da demanda: quando o preço de um alimento subia, caía a quantidade de compras que cada macaco fazia. Certo dia, o pesquisador flagrou um dos machos trocando uma moeda por sexo com uma das fêmeas, no que pode ser “o primeiro caso comprovado de prostituição entre macacos da história”.

POR QUE HOMENS-BOMBA DEVEM COMPRAR SEGURO DE VIDA?
O único motivo pelo qual um terrorista poderia ter um seguro de vida é querer parecer um cidadão comum. Alguém que planeja um dia explodir o próprio corpo num atentado não teria outra razão para comprar uma apólice — já que as seguradoras não cobrem suicídios.

O método usado pelos governos para tentar identificar quem pode ser um terrorista consiste em cruzar informações de cidadãos aparentemente comuns, usando dados como suas transações bancárias. Quase todos os parâmetros empregados nessa busca surgem da avaliação do perfil de terroristas conhecidos oupresos. É o caso dos 19 participantes do atentado de 11 de Setembro, que tinham algumas características comuns: abriram contas com depósitos em dinheiro, tinham uma caixa postal como endereço, recebiam remessas do exterior (pequenas, mas frequentes), quase não usavam cheques e... não tinham seguro de vida.

O QUE AL GORE E O VULCÃO PINATUBO TÊM EM COMUM?
Tanto o ex-vice-presidente Americano Al Gore, que tomou para si a bandeira verde, como o vulcão filipino Pinatubo apontam maneiras de esfriar o planeta. Claro que, no caso do vulcão Pinatubo, trata-se de uma reação involuntária e inesperada. Os autores usam a história para mostrar como funcionam as externalidades, conceito econômico para o equivalente a uma espécie de efeito colateral.

Em 1991, o vulcão Pinatubo entrou em atividade nas Filipinas, jogando toneladas de dióxido de enxofre na estratosfera e formando uma camada de 11 a 50 quilômetros de altura do solo. As partículas de enxofre funcionaram como um filtro que diminuiu a entrada de raios solares. Resultado: a Terra esfriou em 0,5 grau Celsius pelos dois anos seguintes. Pesquisadores da Intelectual Ventures, uma empresa dedicada a patentear invenções, querem repetir esse experimento natural, dessa vez com uma ajudinha da mão do homem. Duas mangueiras, umaem cada polo do planeta, alçadas por balões de hélio, bombeariam dióxido de enxofre na estratosfera para reproduzir o mesmo efeito de esfriar o planeta.

Loucura? Talvez. Mas, caso os piores cenários do aquecimento global se materializem, essa pode seruma saída. O melhor é o preço: 100 milhões de dólares de investimento inicial e 150 milhões por ano gastos na operação. Trata-se de uma minuscule fração do custo considerado até agora necessário para estabilizar a produção dos gases do efeito estufa - uma estimativa que já chegou a 1,2 trilhão de dólares por ano.

POR QUE OS MÉDICOS SÃO UM PERIGO PARA OS PACIENTES?
Nos Estados Unidos, estima-se que entre 44 000 e 98 000 mortes por ano ocorram por erros médicos em hospitais. Uma das causas mais frequentes é a infecção hospitalar. Muitas dessas mortes seriam evitadas se os medicos simplesmente tomassem uma medida quase banal: lavar as mãos com a frequência exigida. Estudos mostram, no entanto, que eles fazem isso menos da metade das vezes em que deviam. Além disso, não deveriam usar gravatas, um acumulador natural de germes.

Os hospitais fazem de tudo para incentivá-los a seguir as regras de higiene — espalham pôsteres, enviam e-mails e até distribuem brindes aos mais aplicados. Mas, como dizem os autores, “é duro mudar o comportamento das pessoas quando elas próprias não ganham com isso”. E, nesse caso, quem ganharia com a mudança seriam os pacientes.

POR QUE A PROSTITUIÇÃO SE TORNOU UMA PROFISSÃO DECADENTE?
Para explicar o que aconteceu, os autores voltam à Chicago dos anos 30. Naquela época, uma em cada 50 mulheres na faixa dos 20 anos se prostituía em algum dos 1 000 bordéis da cidade. Não faltavam estímulos. O salário de uma prostituta de luxo da época equivalia, em valores atualizados, a 400 000 dólares por ano. Hoje, na mesma Chicago, as prostitutas em geral têm origem pobre, 83% são viciadas em drogas e ganham cerca de 18 000 dólares por ano. O que mudou de lá para cá? A resposta é simples. As prostitutas modernas têm muito mais concorrência do que aquelas do tempo de Al Capone. A revolução dos costumes tornou o sexo antes ou fora do casamento quase trivial (ou menos arriscado). Os autores detectaram, porém, que existe uma ocasião em que as prostitutas de hoje conseguem recuperar o, digamos, brilho do passado.

A glória delas acontece no feriado de 4 de Julho, data da independência americana. Nesse dia, centenas de pessoas se reúnem para comemorar num dos parques da cidade, o Washington Park. Para muitos, a diversão tradicional é sair com prostitutas. A demanda dispara e mulheres que no resto do ano têm atividades normais, no dia da independência, trocam sexo por dinheiro para aproveitar a alta dos preços. É o que os autores chamam de prostitutas patriotas.

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